A região que tem a população mais jovem de todo o Brasil, com 9,2 milhões de pessoas com até 17 anos, é também aquela que menos cuida da educação de seu povo. Um estudo do Unicef, chamado Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 - O Direito de Aprender: Potencializar Avanços e Reduzir Desigualdades, mostra uma realidade preocupante: a Amazônia ainda têm mais de 90 mil adolescentes analfabetos e cerca de 160 mil crianças de 7 a 14 anos fora da escola.
Entretanto, assegurar o acesso dos jovens à educação não é o único desafio a ser enfrentado. A situação não é menos dramática quando se observa, que, no Pará, entre os que chegam ao ensino médio, apenas 33,1% estão com idade compatível à série. Ou seja, tem entre 15 e 17 anos. Isso significa que a maioria já atrasou dois anos ou mais de estudos. Seja por repetência ou abandono das atividades escolares.
É o pior índice da região Norte, que traz como média 36% de alunos nesta situação. A exceção fica por conta do Amapá - que melhor até do que a média brasileira (48%) - traz 49,1% dos alunos em dia com estudos.
No ensino fundamental, as distorções se repetem. Enquanto no Brasil, a média de estudantes atrasados é de 25,7%, na região Norte, este índice pula para 35,4%. Sendo que o Pará alcança a margem de 40,2% do alunado. É quase o dobro do constatado na maioria dos estados nortistas.
O resultado disso é de que, apesar de passar em média aproximadamente dez anos na escola, os estudantes da região completam com sucesso pouco mais de cinco séries, portanto menos do que a escolaridade obrigatória. No Brasil, esta média é de sete anos.
O relatório da Unicef também revelou que é elevada a quantidade de crianças e jovens que abandonam a escola antes de concluir os estudos. De acordo com o Censo Escolar 2007, no Pará, apenas 22% dos alunos matriculados no ensino fundamental, concluíram seus estudos; enquanto que no ensino médio, este índice sobe para 43,9%.
DISTORÇÕES
A Unicef diz que estes índices refletem as graves distorções socioeconômicas a que os amazônidas estão expostos, já que, segundo a publicação, das mais de 9 milhões de crianças e adolescentes que residem na região, pelo menos 5,5 milhões são consideradas pobres.
Um quadro agravado ainda pelos problemas internos do próprio sistema escolar, como a baixa qualificação dos professores, instalações precárias, transporte inadequado e a falta de material pedagógico contextualizados, que são fatores que contribuem para diminuição do interesse dos estudantes nas aulas e, conseqüentemente, por retê-los ao longo do ensino fundamental e médio.
Com mais de 15 anos de giz na lousa e livro na mão, o professor José Anibal Oliveira, sabe bem estes desafios. Dando aula, de segunda a sexta-feira, de 7 às 22 horas, em várias escolas da rede estadual de ensino, ele confessa, que, apesar do esforço em fazer um bom trabalho, está cada dia mais difícil educar neste País.
'São tantos os percalços, que muitas vezes falta estímulo para continuar o trabalho. Existe hoje uma grave equivoco de achar que investir em educação é reformar escola. Fazer educação é mais que isso, é dar um salário digno aos professores, é investir na qualificação profissional, em livros, é garantir condições adequadas para que este aluno assista aula', afirmou.
Situação que se torna ainda mais adversa diante da omissão da família na vida do aluno. 'Na maioria das vezes, o que a gente percebe é uma falta da presença da família na vida desses jovens. Faltam valores, rotinas e o acompanhamento que é necessário para vida escolar', afirmou.
Solitária na capital, filha de pescador luta para conciliar trabalho e escola.
Dentre os gargalos da educação atual, estão também fatores como a negligência dos pais, a violência nas escolas, a discriminação, a gravidez na adolescência e o trabalho precoce. Para se ter uma idéia, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2007, usadas no relatório, dão conta de que do total de 44,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade no Brasil, 4,8 milhões trabalham. Destas, quase um terço, trabalha pelo menos 40 horas semanais.
O que para o Unicef são números significativos, apesar de estar havendo queda do nível de ocupação de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade nos últimos anos. Em 2006, existiam 5,1 milhões de trabalhadores nessa faixa etária, o que corresponde a 11,5% do total de crianças. Em 2007, essa taxa caiu para 10,8%.
O abandono da escola em razão da necessidade de trabalhar para ajudar na renda familiar fica evidente quando se analisa a taxa de escolarização dos adolescentes ocupados e não ocupados. De acordo com a PNAD 2007, dos adolescentes de 15 a 17 anos que trabalham, apenas 21,8% estão na escola.
Filha de um pescador e uma dona de casa, no município de Viseu, a jovem Ana Paula Ferreira faz parte desta estatística. Ela, ao lado do pai, é a única provedora de renda de uma família que conta ainda com outros oito irmãos, entre 21 anos e 6 meses.
Prestes a completar 19 anos e há quase um ano morando sozinha em Belém, ela já traz no currículo vários empregos como babá e doméstica, mas ainda não conseguiu completar o primeiro ano do ensino médio. O estudo, segundo ela, acabou relegado ao segundo plano, diante das dificuldades financeiras.
'Trabalho desde os 13 anos sempre como babá ou cuidando da casa. Para mim, é muito difícil estudar depois de passar o dia inteiro cozinhando, limpando, cuidando de criança. Às vezes até esqueço de fazer a lição', disse a jovem.
Ela repetiu a 6ª série e pela segunda vez cursa o 1º ano do ensino médio. No ano passado, os estudos foram interrompidos porque a escola em que estudava em Viseu parou para reformas por mais de um semestre. Se não bastasse isso, este ano, enfrentou quase três meses de escolas paradas em virtude da greve dos professores. Resultado: no final de junho, ela ainda se prepara para aprender o conteúdo da 2ª avaliação.
SORTE
'A minha sorte que já tinha aprendido uma parte lá em Viseu e o conteúdo é mais ou menos balanceado. Mas é difícil, aqui é muito barulho na hora da aula', disse. E reconhece que para série que cursa, deveria saber mais. 'Sinto que tenho dificuldades, às vezes fico meio sem noção do assunto', confessa.
Sem muitas perspectivas pela frente, Ana Paula, que sempre sonhou em ser médica, traz como meta hoje conseguir completar o ensino médio. 'Quem sabe assim consigo arranjar um emprego no comércio, sei lá. Ai se tiver dinheiro, de repente, posso fazer um cursinho e depois o vestibular, porque com R$ 200 por mês não dá para fazer isso'.
Investimento é solução para problema no Estado
Na avaliação da doutoranda em educação e pedagoga da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Ana Cláudia Hage, o caminho para reverter estes índices está no aumento dos investimentos em educação, mas, sobretudo, no compromisso com o sistema educacional do País.
'É uma falta de compromisso generalizado em escala, que começa desde o ensino de base. Faltam investimentos em políticas públicas, falta comprometimento com a educação, com o sistema. Precisamos de uma política de integração entre os diversos setores envolvidos', afirmou a especialista.
Para isso, ela diz que é preciso mudar as perspectivas de aprendizagem. 'Precisamos nos voltar para qualidade do ensino ministrado. O aluno tem que ir à escola para aprender', afirmou.
São medidas, como as recomendadas pelo Unicef, que chamam atenção, por exemplo, para centralidade do papel do professor; a valorização e o respeito ao aluno e à sua cultura; a existência de espaços e instrumentos de participação efetiva desse conjunto de atores e de seus parceiros, como parte de uma gestão democrática da escola; o estímulo ao processo cognitivo por meio de atividades lúdicas, metodologias inovadoras, espaços educativos; e busca de novas abordagens pedagógicas.
'Não haverá política nacional de educação que resolva, se não zelarmos pelo processo. Um professor tem em média 40 alunos, ele está diante então de 40 questões complexas para resolver. É preciso fazer com que estes alunos não apenas passem de ano, mas que aprendam o que foi ensinado'.
Ela destaca também o papel da família neste processo. 'A constituição é clara quando diz que a educação é um direito de todos, mas ela diz também que é um dever do Estado e da família. É preciso fazer esta conscientização', disse.
Entretanto, assegurar o acesso dos jovens à educação não é o único desafio a ser enfrentado. A situação não é menos dramática quando se observa, que, no Pará, entre os que chegam ao ensino médio, apenas 33,1% estão com idade compatível à série. Ou seja, tem entre 15 e 17 anos. Isso significa que a maioria já atrasou dois anos ou mais de estudos. Seja por repetência ou abandono das atividades escolares.
É o pior índice da região Norte, que traz como média 36% de alunos nesta situação. A exceção fica por conta do Amapá - que melhor até do que a média brasileira (48%) - traz 49,1% dos alunos em dia com estudos.
No ensino fundamental, as distorções se repetem. Enquanto no Brasil, a média de estudantes atrasados é de 25,7%, na região Norte, este índice pula para 35,4%. Sendo que o Pará alcança a margem de 40,2% do alunado. É quase o dobro do constatado na maioria dos estados nortistas.
O resultado disso é de que, apesar de passar em média aproximadamente dez anos na escola, os estudantes da região completam com sucesso pouco mais de cinco séries, portanto menos do que a escolaridade obrigatória. No Brasil, esta média é de sete anos.
O relatório da Unicef também revelou que é elevada a quantidade de crianças e jovens que abandonam a escola antes de concluir os estudos. De acordo com o Censo Escolar 2007, no Pará, apenas 22% dos alunos matriculados no ensino fundamental, concluíram seus estudos; enquanto que no ensino médio, este índice sobe para 43,9%.
DISTORÇÕES
A Unicef diz que estes índices refletem as graves distorções socioeconômicas a que os amazônidas estão expostos, já que, segundo a publicação, das mais de 9 milhões de crianças e adolescentes que residem na região, pelo menos 5,5 milhões são consideradas pobres.
Um quadro agravado ainda pelos problemas internos do próprio sistema escolar, como a baixa qualificação dos professores, instalações precárias, transporte inadequado e a falta de material pedagógico contextualizados, que são fatores que contribuem para diminuição do interesse dos estudantes nas aulas e, conseqüentemente, por retê-los ao longo do ensino fundamental e médio.
Com mais de 15 anos de giz na lousa e livro na mão, o professor José Anibal Oliveira, sabe bem estes desafios. Dando aula, de segunda a sexta-feira, de 7 às 22 horas, em várias escolas da rede estadual de ensino, ele confessa, que, apesar do esforço em fazer um bom trabalho, está cada dia mais difícil educar neste País.
'São tantos os percalços, que muitas vezes falta estímulo para continuar o trabalho. Existe hoje uma grave equivoco de achar que investir em educação é reformar escola. Fazer educação é mais que isso, é dar um salário digno aos professores, é investir na qualificação profissional, em livros, é garantir condições adequadas para que este aluno assista aula', afirmou.
Situação que se torna ainda mais adversa diante da omissão da família na vida do aluno. 'Na maioria das vezes, o que a gente percebe é uma falta da presença da família na vida desses jovens. Faltam valores, rotinas e o acompanhamento que é necessário para vida escolar', afirmou.
Solitária na capital, filha de pescador luta para conciliar trabalho e escola.
Dentre os gargalos da educação atual, estão também fatores como a negligência dos pais, a violência nas escolas, a discriminação, a gravidez na adolescência e o trabalho precoce. Para se ter uma idéia, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2007, usadas no relatório, dão conta de que do total de 44,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade no Brasil, 4,8 milhões trabalham. Destas, quase um terço, trabalha pelo menos 40 horas semanais.
O que para o Unicef são números significativos, apesar de estar havendo queda do nível de ocupação de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade nos últimos anos. Em 2006, existiam 5,1 milhões de trabalhadores nessa faixa etária, o que corresponde a 11,5% do total de crianças. Em 2007, essa taxa caiu para 10,8%.
O abandono da escola em razão da necessidade de trabalhar para ajudar na renda familiar fica evidente quando se analisa a taxa de escolarização dos adolescentes ocupados e não ocupados. De acordo com a PNAD 2007, dos adolescentes de 15 a 17 anos que trabalham, apenas 21,8% estão na escola.
Filha de um pescador e uma dona de casa, no município de Viseu, a jovem Ana Paula Ferreira faz parte desta estatística. Ela, ao lado do pai, é a única provedora de renda de uma família que conta ainda com outros oito irmãos, entre 21 anos e 6 meses.
Prestes a completar 19 anos e há quase um ano morando sozinha em Belém, ela já traz no currículo vários empregos como babá e doméstica, mas ainda não conseguiu completar o primeiro ano do ensino médio. O estudo, segundo ela, acabou relegado ao segundo plano, diante das dificuldades financeiras.
'Trabalho desde os 13 anos sempre como babá ou cuidando da casa. Para mim, é muito difícil estudar depois de passar o dia inteiro cozinhando, limpando, cuidando de criança. Às vezes até esqueço de fazer a lição', disse a jovem.
Ela repetiu a 6ª série e pela segunda vez cursa o 1º ano do ensino médio. No ano passado, os estudos foram interrompidos porque a escola em que estudava em Viseu parou para reformas por mais de um semestre. Se não bastasse isso, este ano, enfrentou quase três meses de escolas paradas em virtude da greve dos professores. Resultado: no final de junho, ela ainda se prepara para aprender o conteúdo da 2ª avaliação.
SORTE
'A minha sorte que já tinha aprendido uma parte lá em Viseu e o conteúdo é mais ou menos balanceado. Mas é difícil, aqui é muito barulho na hora da aula', disse. E reconhece que para série que cursa, deveria saber mais. 'Sinto que tenho dificuldades, às vezes fico meio sem noção do assunto', confessa.
Sem muitas perspectivas pela frente, Ana Paula, que sempre sonhou em ser médica, traz como meta hoje conseguir completar o ensino médio. 'Quem sabe assim consigo arranjar um emprego no comércio, sei lá. Ai se tiver dinheiro, de repente, posso fazer um cursinho e depois o vestibular, porque com R$ 200 por mês não dá para fazer isso'.
Investimento é solução para problema no Estado
Na avaliação da doutoranda em educação e pedagoga da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Ana Cláudia Hage, o caminho para reverter estes índices está no aumento dos investimentos em educação, mas, sobretudo, no compromisso com o sistema educacional do País.
'É uma falta de compromisso generalizado em escala, que começa desde o ensino de base. Faltam investimentos em políticas públicas, falta comprometimento com a educação, com o sistema. Precisamos de uma política de integração entre os diversos setores envolvidos', afirmou a especialista.
Para isso, ela diz que é preciso mudar as perspectivas de aprendizagem. 'Precisamos nos voltar para qualidade do ensino ministrado. O aluno tem que ir à escola para aprender', afirmou.
São medidas, como as recomendadas pelo Unicef, que chamam atenção, por exemplo, para centralidade do papel do professor; a valorização e o respeito ao aluno e à sua cultura; a existência de espaços e instrumentos de participação efetiva desse conjunto de atores e de seus parceiros, como parte de uma gestão democrática da escola; o estímulo ao processo cognitivo por meio de atividades lúdicas, metodologias inovadoras, espaços educativos; e busca de novas abordagens pedagógicas.
'Não haverá política nacional de educação que resolva, se não zelarmos pelo processo. Um professor tem em média 40 alunos, ele está diante então de 40 questões complexas para resolver. É preciso fazer com que estes alunos não apenas passem de ano, mas que aprendam o que foi ensinado'.
Ela destaca também o papel da família neste processo. 'A constituição é clara quando diz que a educação é um direito de todos, mas ela diz também que é um dever do Estado e da família. É preciso fazer esta conscientização', disse.