Eles poderiam estar na escola, na universidade ou pensando na carreira dos sonhos. Mas, ao invés disso, fazem parte de uma estatística que envergonha o Estado. A população carcerária do Pará é dominada por jovens entre 18 e 29 anos. Dos mais de 9 mil detentos que ocupam as penitenciárias paraenses, cerca de 6 mil estão nesta faixa etária. Os dados não são uma particularidade paraense, mas em nenhum outro lugar do País essa situação é tão marcante. Enquanto a média brasileira de detentos nesta faixa de idade é de 60%, o Pará chega perto dos 70%. Para piorar, com a falta de políticas públicas eficazes, educação de qualidade e investimentos no sistema penitenciário, a tendência é que esse número cresça ainda mais.
Com apenas 21 anos, João da Silva (nome fictício para proteger a identidade do entrevistado) já foi preso duas vezes. Todas por assalto a mão armada. Ele parou de frequentar a escola aos 12 anos e só estudou até a quarta série, o que o fez entrar no crime. Se envolveu com drogas, chorou, sofreu, foi maltratado na prisão e, hoje, tenta reconstruir sua vida. Esse é um retrato comum no bairro onde João viveu durante a infância e parte da adolescência: a Terra Firme.
Sem escolas adequadas, tráfico de drogas na porta de casa e poucos amigos para aconselhá-lo, João se viu sem alternativas. Essa não era a vida que ele tinha sonhado, mas o meio em que vivia não lhe oferecia algo melhor. 'Ali não tem como fugir do crime. Saí de lá, porque aquele bairro é uma verdadeira perdição'.
João explica que não aguentaria sobreviver nas penitenciárias da cidade sem o apoio da família. Isso porque ele era tratado como um 'animal'. 'Não tem estrutura nenhuma. Assim fica difícil se ajeitar. A gente entra como bandido e sai ainda pior', conta. Mas foi somente na última vez em que foi preso que João decidiu deixar o crime, porque quase enlouqueceu. Afinal, não se tinha nada para fazer no local.
Como solução para o ócio que tomou conta da sua vida durante o período em que ficou preso, João diz que o ideal seria que o Governo do Estado criasse projetos dentro das penitenciárias, como cursos para mantê-los ocupados e com perspectiva de uma vida melhor. 'Nós também somos gente', ressaltou.
Diácono permanente da Igreja Católica e coordenador da macrorregião Norte da Pastoral Carcerária, Ademir Silva diz que a prova desta situação é que crianças estão trabalhando nos sinais de trânsito, os subempregos aumentam a cada dia, jovens são abandonados nas ruas e, principalmente, não existem perspectivas de se arrumar emprego. Segundo ele, a população paraense ainda tem que se submeter a um ensino médio de má qualidade, o que diminui consideravelmente as chances de um adolescente ingressar na universidade. Como exemplo, ele cita a média nacional de alunos que concluíram o ensino, que é de 53%. No Pará, este número é de apenas 23%. Enquanto isso acontece, a indústria de consumo prospera. 'O shopping é aberto ao público e quem não tem dinheiro para usufruir do que é vendido lá, se refugia em drogas e bebidas. Esse é o passaporte para a criminalidade', afirma.
O aumento do número de jovens que se envolvem em crimes também se deve à distorção de valores tradicionais, apoio familiar, influência da programação televisiva, fome e miséria, segundo o coordenador da Pastoral Carcerária. Para que essa situação mude, é necessária, em primeiro lugar, preocupação com a base familiar desses jovens, para prevenir a entrada deles na vida delituosa. Em segundo, cuidar da ação da Polícia em todos os níveis. Pois, hoje, diz Ademir Silva, só se pensa na punição, não na prevenção e recuperação. 'Ou seja, o problema torna-se uma bola de neve que, se não for controlada a tempo, vai explodir. É o que chamamos de justiça retributiva, aquela que só pune e que leva jovens às penitenciárias, que mais parecem depósitos de gente', contou.
COMPORTAMENTO
A opinião da socióloga Kátia Mendonça sobre o assunto não é diferente. Mas ela lembra que, além das causas socioeconômicas, existem também as éticas. Pois vivemos em uma sociedade onde respeito e honestidade estão longe de ser aplicados. 'A família está em crise. A sociedade é marcada pelo consumo, que vai das roupas às drogas. Uma sociedade vazia de sentido para jovens, que acabam no mundo do crime, cuja porta de entrada é quase sempre o tráfico de entorpecentes', explicou.