Os índices de escolaridade, renda e pobreza da população negra registraram melhoras entre 1996 e 2006, mas as condições de vida continuam inferiores às dos brancos no Brasil. A avaliação é de estudo sobre desigualdade racial e de gêneros divulgado nesta terça-feira (9) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O estudo do Ipea tomou como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) lançadas pelo IBGE entre os anos de 1996 e 2006. A designação 'branco' ou 'negro' foi estabelecida segundo autodeclaração dos pesquisados.
Segundo dados do estudo, em 1996, 82,3% dos negros estavam matriculados em etapas do ensino fundamental adequadas à sua idade e apenas 13,4% no ensino médio. Em 2006, essa porcentagem subiu para 94,2% no ensino fundamental e 37,4% no médio. A proporção de negros e negras que estudavam no ensino médio, entretanto, ainda é muito menor que a de brancos - que chegou a 58,4% em 2006.
A renda média do trabalhador negro também cresceu, embora o aumento não seja muito expressivo: o rendimento médio de 2006 foi R$ 19 mais alto que em 1996, ou 3,93%. A queda da diferença entre os dois grupos se deu devido a diminuição dos rendimentos dos homens brancos, que passaram de R$ 1.044,20 a R$ 986,50. Os demais grupos estudados (mulheres brancas e negras e homens negros) tiveram aumentos.
Mesmo com essa alta, a discrepância é grande. Os brancos ainda vivem com quase o dobro da renda mensal per capita dos negros - pouco mais de um salário mínimo a mais.
Outros dados
Outras constatações do estudo mostram que a população negra é menos protegida pela Previdência Social do que os brancos - especialmente no caso da mulher negra - e começa a trabalhar mais cedo para se aposentar mais tarde.'A renda dos negros é extremamente baixa comparada à dos brancos, e está muito próxima ao valor do salário mínimo', diz o professor Claudio Dedecca, do departamento de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em São Paulo.
Dedecca explica que a oscilação da renda de negros e brancos teve sinais diferentes entre 1996 e 2006 porque os acréscimos ou decréscimos nos pagamentos têm diferentes origens. 'O comportamento da renda dos brancos é definido por negociação coletiva ou fluxos do mercado de trabalho. Então, nesses últimos 13, 14 anos, acompanhou a queda na renda média da população. Já a dos negros está associada à evolução da política do salário mínimo.
Além do crescimento dependente das políticas públicas, a evolução da renda entre negros e queda entre os brancos não se refletiu na erradicação da pobreza. Se em 1996 46,7% dos negros eram pobres, o percentual desceu em 2006 para 33,2. Na prática, cerca de 2 milhões de pessoas deixaram a pobreza num período em que a população ganhou mais de 32 milhões de brasileiros.
Entre os brancos, o número absoluto de pessoas que deixaram a pobreza foi de cerca de 5 milhões, mesmo a queda em pontos percentuais tendo sido menor - de 21,5% para 14,5%.
Especialistas dedicados à questão da desigualdade racial concordam entre si com a raiz histórica deste vácuo econômico entre brancos e negros. Educação básica deficiente e pouco universalizada, a herança histórica deixada por séculos de escravismo e uma tradição de ocupar empregos de pouco prestígio social estão entre as causas da diferença.
Herança
Para o sociólogo Rogério Baptistini Mendes, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), o fim da escravidão sem a criação de um mercado de trabalho que absorvesse a mão-de-obra negra e herança de concentração fundiária na mão de ricos produtores agrícolas privaram a população negra de acesso a 'mecanismos democráticos de ascensão social, econômica e cultural'.
'A sociedade brasileira foi constituída em três séculos de colonização e quatro de escravidão. Isso gerou uma estrutura de segregação absoluta que foi sendo superada ao longo do século 20, mas não na velocidade necessária para democratizá-la', explica Baptistini. 'Não temos mecanismos para distribuir a renda. É como se no século 21, ainda vivêssemos em uma sociedade escravocrata.'
O economista Vinícius Garcia, mestre em Economia Social e do Trabalho pela Unicamp, aponta a geografia como outro importante fator para explicar a concentração da pobreza entre os negros. 'No nosso estudo, vimos que a população negra está super-representada nas áreas menos desenvolvidas do país, como no Norte e no Nordeste. E é menos concentrada em regiões como o Sudeste, que tem uma estrutura econômica mais dinâmica', pondera ele.
Diretora de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro da Fundação Palmares, Bernardete Lopes defende que o estudo do Ipea é importante para provar à sociedade que os preconceitos raciais não foram superados no Brasil. 'Acho que essa pesquisa vai fazer algumas pessoas entenderem quando dizemos que o país precisa de ação afirmativa e precisa de cotas, porque mostra que não vivemos numa democracia racial, e que a discriminação não era pela pobreza, mas sim pela raça e pela cor', afirma.
'É muito doído perceber que, embora o movimento negro tenha conseguido grandes vitórias e o Estado brasileiro hoje esteja preocupado em diminuir as diferenças, elas continuam sendo sempre o dobro', completa Bernardete, referindo-se a distância de quase 50% entre os salários de pessoas que nasceram com cores de pele diferentes.
Fonte: Uol